terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Camuflagem e Apagamento

        Com quantos anos você descobriu que não conhecia a si mesmo? Eu não tenho uma resposta objetiva pra essa pergunta. Faz tempo que eu reflito sobre quem sou e não chego a nenhuma conclusão, pois me parece muito distante conhecer a si mesmo e ter certeza de quem você é. Na maioria do tempo me sinto abstrata, é como se eu fosse um quebra-cabeças difícil de solucionar e ninguém estivesse disposto à isso. Nem eu.

       Faz pelo menos vinte anos que escrevo tentando desvendar os meus próprios códigos e nada parece concreto. Passei a vida me escondendo atrás de palavras escritas em folhas rasuradas que poucos leram e, menos ainda, entenderam. Quem vê de fora pensa que sou extremamente extrovertida e que me misturo muito bem em diversos grupos, mas a realidade é  que eu nunca me misturei de verdade, eu sempre fui "um grupo" a parte. Ser deslocada me parece ser um traço da minha personalidade.

       Quando você está empenhada em parecer "normal" para as pessoas, o seu inconsciente te dá ferramentas para sobreviver e é natural que você pense que todos fazem isso na mesma escala que você, mas aí, um dia você descobre que o "natural" não é esse. Quantos anos sobrevividos usando uma máscara que fosse aceita e despercebida em público, sem que nem eu me desse conta. Hoje eu sei que da mesma forma que essa máscara me protegeu do mundo, ela também me causou danos irreparáveis. O tipo de dano que só eu consigo enxergar.

       Eu realmente não sei dizer quantas vezes eu chorei implorando pra ser "normal" como as outras pessoas, passei noites em claro me perguntando o porquê de ter nascido tão incompleta, tão deferente, tão sem vida. Mas quando a noite virava dia, eu colocava minha máscara e seguia o roteiro pra parecer que eu me encaixava, enquanto minha mente explodia em silêncio. E é claro que eu não me encaixava, todos podiam ver e alguns até falavam. Mas eu não podia reagir da forma como eu gostaria, então eu reprimia, pensava infinitamente e seguia o roteiro.

       Superar as expectativas sempre foi difícil, mas eu juro que eu tentava... E como tentava. Mas eu não tinha saúde o suficiente pra isso, eu me sentia a pessoa mais frágil e inútil do mundo. Parecia que qualquer pessoa poderia ser melhor do que eu em qualquer coisa. Mas ninguém percebia. Chega a ser engraçado como as pessoas próximas me descreviam como "uma menina alegre" enquanto eu morria por dentro há muito tempo.

       Eu também sempre fui chamada de egoísta enquanto abdicava da minha vida pra fazer o que os outros queriam. Mas ao que parece, nada foi suficiente pra ser motivo de orgulho, afinal de contas, além de egoísta, eu também era "cabeça dura e muito difícil". Acontece que hoje ninguém entende minha distancia emocional e física. Vai ver eu só precisava me afastar pra tentar me curar.

       É tão cansativo ter que estar sempre no controle de tudo pra não surtar. Pra não demonstrar meus sentimentos, impressões e sintomas. É tão difícil ter que dançar conforme a música pra ninguém perceber que você é diferente em um nível que qualquer pessoa pode notar. Acho que é difícil ter vergonha de ser você mesmo com medo das consequências. Retirar essa máscara tem sido um processo doloroso e confuso, mas o alívio que vem depois é reconfortante. Um passo de cada vez, bem devagarinho, eu vou me sentindo e sendo mais eu. E comigo eu vou aprendendo que tá tudo bem ser eu, com os trejeitos, as manias, os sintomas. Tá tudo bem tirar a máscara.